Esse texto é para quem defende a mudança do nome do aeroporto de Belém.

Se o Café Fosse cultivado em São José do Acará?
(Por Hélcio Amaral)

As grandes conquistas da humanidade servem de marco que caracterizam as civilizações e tem sido uma constante na vida da humanidade.

A descoberta do dardo, da flecha, da roda, do uso do metal, do astrolábio, da bússola, da pólvora, da vela, da máquina a vapor, das conquistas marítimas, foram fatos que serviram de marco divisor entre as civilizações. Todas estas conquistas aguçaram ainda mais o desejo do homem em cobiçar novos objetivos que facilitasse a vitória nas sangrentas guerras e assegurasse conquistar o imenso vazio demográfico, dominado pelas feras e totalmente ignorado pelo conhecimento do homem. Todos esses fatos aconteceram paulatinamente em datas historicamente imprecisas.

O comércio, atividade desenvolvida com a navegação à vela e intensificada após a conquista marítima, facilitou o intercâmbio entre os povos de todos os continentes dando inicio a este fato que hoje denominamos de globalização. Hábitos e costumes da culinária e da vida doméstica como o macarrão, o sabão, a pólvora, e a bússola foram trazidos da China, para o ocidente e aceitos sem restrição pela maioria da população.

As espécies florestais usadas pela população de um continente, foram levadas para outros continentes e assim, o café, esta rubiácea que já tinha suas frutas apreciada pelos Árabes, passou a ser cultivada em lugares bem distantes fazendo parte da dieta alimentar dos monges que as cultivavam e transferiam para o local de suas novas missões e assim atravessou o Atlântico, abrigando-se nas Guianas Francesas e mais tarde migrando para o Brasil, precisamente Vigia, vilarejo da Província do Grão Pará, em 1727.

Na metade de século XIX, a máquina a vapor conquistava o planeta, as distâncias diminuíram entre os continentes e um novo sonho passou a ser freqüente na mente dos que amavam a mecânica e a física, fazer o homem voar como os pássaros, e diminuir ainda mais as distâncias que os separavam. Foram inúmeras experiências com homens alados, coleta de gotículas de orvalho, guardas-chuva expostos às correntes aéreas e muitas outras.

Estes mesmos sentimentos brotaram na cabecinha de Júlio César Ribeiro de Sousa, um menino pobre nascido em 13 de junho de l843 na Vila de São José do Acará, Província do Grão Pará, território do Império brasileiro. Sua alfabetização ocorreu na vila natal, com seus familiares. O curso preparatório foi realizado no Seminário Menor de Belém, graças ao apoio recebido do bispo do Pará, Dom Antonio Macedo Costa. Posteriormente ingressou na Escola Militar, no Rio de Janeiro, em 1862 e prestes a se formar, irrompeu a guerra entre o Brasil e o Paraguai. Júlio César pediu baixa da Escola e alistou-se no Batalhão de Voluntários da Pátria partindo para o Paraguai onde permaneceu 3 anos retornando quase ao fim da guerra, chegando ao Pará no começo de l870.

Júlio César desde tenra idade manifestou possuir inteligência viva, grande sentido de observação, e uma curiosidade sem limites, destacando-se entre os colegas e merecendo admiração dos mestres pela facilidade que tinha para as ciências matemáticas e para as línguas vivas e mortas, chegando a falar com fluência correta sete idiomas, entre estas o latim e o grego.

Para se manter, trabalhou como redator de jornal e professor, chegando a compor uma Gramática Portuguesa Para Escolas Primárias que foi adotada e premiada pelo Conselho de Instrução Pública da Província do Pará.

Em agosto de 1870 contraiu núpcias com a senhora Vitória Filomena do Vale, a qual se tornou a verdadeira parceira na defesa de seus ideais. O balonismo virou moda em Parias, então centro das artes, da ciência, das modas, da aeronavegação onde todos os sábios procuravam descobrir os dois segredos até então desconhecidos: O PONTO DE APOIO NO AR e a DIRIGIBILIDADE DOS BALÕES E AEROSTATOS.

Júlio César, de l875 a l880, passou a interessar-se pelo vôo dos pássaros, tão abundante em Belém à sua época, observando sistematicamente cada espécie, em dias de pouco ou regular vento assim como com bastante vento. Até os insetos passaram a merecer suas observações. Comparando resultados, acabou por entender o mecanismo do vôo tanto dos pássaros como dos insetos. Assim que compreendeu porque os pássaros podiam voar apercebeu-se que o homem também poderia voar, desde que o pássaro mecânico fosse invertido, tivesse asas e lemes móveis e seu corpo tivesse a forma de um pássaro. – FUSIFORME DISSIMÉTRICA AERODINÂMICA.

A primeiro de agosto de l880, o jornal ¨A PROVÍNCIA DO PARÁ¨ publica que: Júlio César houvera descoberto o PONTO DE APOIO NO AR e a DIRIGIBILIDADE DA NAVEGAÇÃO AÉREA. Logo em seguida embarca para o Rio de Janeiro, capital do Império, onde sua tese é apresentada e lida em Sessão Extraordinária, no INSTITUTO POLITÉCNICO DO BRASIL a 15 de março de 1881, tendo, merecido parecer da Comissão de Ciências Físicas que diz:¨O aparelho do qual esta comissão se tem ocupado poderá sofrer inúmeras modificações nos detalhes e acessórios, mas a idéia capital, pela primeira vez apresentada ao estudo pelo Sr. Júlio César Ribeiro de Sousa, prevalecerá sempre e lhe trará, de certo, muita glória.

Em face ao parecer, o governo da província do Pará fornece os meios para Júlio César construir seu balão experimental, onde testaria suas observações e descobertas. Ainda em Julho de 1881, em Paris, Júlio César, prevendo que sua invenção poderia ser roubada (como de fato veio a acontecer) patenteia em dez países. Mandou construir nas oficinas HILAIRE LACHAMBRE um balão que deu o nome de LE VITÓRIA, em homenagem a sua esposa e o experimentou a 8 e repetiu a 12 do mesmo mês. Logo após expõe sua teoria na Sessão Especial da Sociedade Francesa de Navegação Aérea, e publica seu trabalho. OS BALÕES PLANADORES, no jornal ¨Le Bresil¨ de 5 de janeiro de 1882. O Barão de Friederick, embaixador da Rússia, propõe comprar a patente do invento, mas, Júlio César não aceita a proposta. O visconde de Itajubá, embaixador do Brasil em Paris, por carta, comunica o fato ao Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros.

Premido pela falta de recurso, Julio César retorna ao Pará trazendo somente o invólucro do Balão LE VITÓRIA, deixando o leme e as asas guardadas em Vaugirard, visto sua situação financeira não permitir arcar com tamanha despesa de frete. Em Belém, construiu as asas e o leme e no dia 25 de Dezembro de 1882, no descampado fronteiro ao Palácio dos GOVERNADORES na época chamado de Largo da Independência, fez sua exposição com o balão LE VITÓRIA e a multidão que a tudo assistia dando hurras, tal como os franceses fizeram em Paris. O jornal O Liberal do Pará, de 27 de Dezembro de 1882, fez destacada reportagem sobre o fato, ressaltando o feito de o balão ter avançado contra o vento sem o auxílio de velas, rodas ou hélices.

De Belém, Júlio César parte para o Rio de JANEIRO, onde publica na imprensa local, vários artigos sobre Navegação Aérea, e solicita uma subscrição popular para cobrir os custos de um grande balão que havia deixado encomendado em Paris e que viria a ser o segundo Dissimétrico Aerodinâmico do mundo, o qual denominou de SANTA MARIA DE BELÉM. No dia 29 de março de 1883, no pátio externo da Escola Militar, na Praia Vermelha, Urca, fez demonstração do ¨LE VITÓRIA¨ presente a população da cidade, onde se encontrava como convidado especial o próprio Imperador do Brasil, Dom Pedro II.

O Jornal do Comércio, do dia seguinte, faz um exaustivo relato da demonstração, confirmando que o Balão subiu a l20 metros de altura e conseguiu andar contra o vento. O Governo Imperial convencido do sucesso concedeu-lhe um auxílio de 200 mil francos franceses a serem recebidos parceladamente e o restante a ser arrecadado por meio de doações, subscrições, leilões e bazares a serem realizados em todas as Províncias do Império.

Informado da conclusão do SANTA MARIA DE BELÉM, de 50 metros de comprimento, Júlio César parte para Paris e lá verifica que o balão não está de acordo com a encomenda o que faz aumentar o custo que vai além dos recursos disponíveis obrigando-o a solicitar das províncias brasileiras um auxílio especial, tendo sido atendido com 16 mil contos de reis, pela Província do Amazonas, fato que fez atrasar o projeto por mais de um ano. Por falto de recurso técnico na cidade de Belém, para repor uma peça danificada na hora da montagem, o balão foi guardado dependurado na nave central da Catedral de Belém, à época em reparos, transformando-se assim, no primeiro HANGAR DO BRASIL. Lutando sem recursos financeiros para patrocinar suas viagens a Paris e para fabricar o gás necessário à experiências o grande Júlio César Ribeiro de Sousa, viu seu invento ser plagiado por Renard e Klebs, usado no seu balão LA FRANCE, consagrando-se num verdadeiro roubo científico. O clamor de Júlio César, e os protestos do Instituto Politécnico, com apoio do ImperadorPedro II não conseguiram impedir os dois franceses de continuarem usando os princípios científicos descobertos e patenteados por um dos mais gloriosos filhos do Pará.

O Pará homenageia o filho ilustre dando seu nome ao Aeroclube de Belém e a principal avenida que leva ao Aeroporto de Val de Cães. A este ilustre brasileiro do Pará, cabe perfeitamente a célebre frase do presidente norte americano Abrahan Lincoln: “O QUE IMPORTA O NINHO SE O OVO É DE ÁGUIA”

Se o café tivesse sido cultivado na então Vila de São José do Acará, gerando grandes recursos, provavelmente o pai da aviação teria sido paraense.

Fontes Bibliográfica:

Amaral Fernando Medina – Julio César: O Verdadeiro Arquiteto da Aeronáutica – 1

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