À @AdelinaBraglia com todo o carinho do Paulo Cidmil:

MINHA QUERIDA BEATRIZ
Beatriz, adorei a forma carinhosa como me tratou, chamando-me de irmão e enviando-me um carinhoso abraço em nosso encontro no Espaço Aberto da blogesfera.
Fiquei surpreso ao ler você lamentando que ficará sem os bolinhos de piracuí e as piabinhas da vazante do Tocantins. Pior foi ouvir que você não poderá mais cantar “esse rio é minha rua...”. Quem disse a você que estamos nos separando? Quem esta colocando na sua cabeça que o plebiscito é um apartheid?! Bia o Tapajós é nosso, o Tocantins é nosso, o piracuí é nosso, o Çairé é nosso, o Festribal é nosso, o Carnapauxis é nosso, todas as praias do Tapajós são nossas; assim como o são o carnaval do Rio, Bahia e Olinda, o tutu à mineira, o churrasco gaucho, o Roberto Carlos e o Sebastião Tapajós. Você não está perdendo nada, mas poderá contribuir para o desenvolvimento de populações que estão pra lá da margem, somos os periféricos da periferia nacional.
Você falou que o plebiscito esta erguendo um muro de Berlin entre nós. Acredito que por influência do texto da jornalista Ana Diniz, que considero equivocado ao abordar o plebiscito fazendo uma correlação entre os movimentos por emancipação de Tapajós e Carajás, com movimentos por criação de estados nacionais mundo afora. Os argumentos de Ana Diniz sim, com suas comparações esdrúxulas, podem produzir o apartheid na cabeça dos desinformados. Só demonstram que a jornalista esta antenada com o que ocorre no mundo e que desconhece o que se passa abaixo do seu nariz.
Ana Diniz acha que o movimento das populações de Tapajós e Carajás é para assumir os recursos existentes nesses territórios, induz a população a acreditar nessa falácia e a pensar que estão subtraindo a riqueza do Pará. No Tapajós nunca presenciei uma discussão cuja pauta fosse os recursos naturais. Nossa luta está pautada nas questões cotidianas como saúde, educação, infra-estrutura, transporte, apoio a produção; que a ausência de políticas públicas e investimentos, aprofundam a interdependência e o isolamento. A discussão sobre os recursos naturais e seu manejo não ultrapassa os muros das universidades.
O povo do Tapajós e calha norte vêem seus filhos crescerem preparando-se para o dia da partida. Hoje muitos fazem um rito de passagem por Santarém onde cursam uma faculdade, que se diga: as que poderiam ser melhores, não possuem autonomia, seja orçamentária ou de gestão, todos os centros de decisão ficam em Belém e dependem da política paroara. Uma realidade totalmente alheia a nossa determina o que nos cabe nesse latifúndio com o poder fincado na metrópole chamada Belém, onde a lógica da adequação política local elege outras prioridades. O povo que vive no Oeste desse Estado não suporta ver seus filhos partirem em busca de melhores perspectivas.
Antes que você diga que nada garante que um novo Estado trará melhores condições de vida para o nosso povo, quero retornar ao texto da Ana Diniz, que lança mão de dados do IBGE e revela uma parcialidade perigosa para credibilidade de um jornalista. Ao afirmar que a divisão não tem sido boa para as regiões que conquistaram autonomia e mencionar que o PIB do Tocantins (24º) é inferior ao de Goiás (9º) e que o do Mato Grosso (14º) é superior ao do Mato Grosso do Sul (17º), Ana esquece de fazer a comparação fundamental para a discussão desse plebiscito. Qual era o PIB dessas regiões antes de se tornarem novos estados da Federação? Essa é a comparação essencial!
Mas Ana deixa escapar que a renda média da população do Tocantins (16ª) e Mato Grosso do Sul (11ª), ambos novos estados, são bem superiores ao gigante Pará (22ª). E omite que a renda média de Goiás e Mato Grosso cresceram após a divisão. Ana Diniz é fatalista, não vê saídas para Carajás e Tapajós, que se tornarão mais pobres, sendo assim melhor que fique como está.
Não menciona os recursos da União que aportarão nas duas regiões, multiplicado por nove em comparação com os atuais, no caso do Tapajós. Lembro que esses recursos não saem do bolso do povo brasileiro como uma sangria das outras regiões. Serão investimentos justos pelo muito que se tira de Carajás e Tapajós, sendo a União a principal arrecadadora dos tributos.
O sentimento de perda que tomou conta de parte considerável da classe média paraense, meios intelectuais e artísticos, é de uma emotividade e falta de reflexão latente. Ilustra apenas o total desconhecimento das realidades vividas pelas populações do Tapajós e Carajás, o que denota uma absoluta falta de solidariedade com essas populações. Essa mesma classe média, intelectuais e artistas, quando podem, nunca se voltam para o interior, preferem Rio, Fortaleza, Europa, Caribe e outros centros urbanos do país e do exterior. Desconhecem o Pará dos territórios que almejam autonomia, mas querem, numa atitude egoísta que beira a infantilidade, continuar a olhar o mapa do grande Pará.
Minha querida Bia, você chega a temer pelo Tapajós. Acha que transformado em Estado estará enfraquecido e não terá como conter a ânsia expansionista dos agro negociantes da soja via BR163. Saiba que eles por aqui no Tapajós não fazem o que querem. Em Santarém onde existe um porto graneleiro, sua expansão foi paralisada por não terem realizado o EIMA-RIMA como determina a Lei. Aqui se faz passeata, manifestações, debates; são várias as formas de resistência e fiscalização, pena que a distância não permite termos a população de Belém junto conosco nesse embate.
Também não temos o Estado presente com estrutura à altura, no tamanho da importância estratégica de nosso território. Instituições como IBAMA, FUNAI, ANA, Policia Federal, Ministério Público e outros órgãos fiscalizadores e inibidores da bandidagem, no Tapajós são sub representações, com contingente e estrutura mínima. Sem contar, que diante de um problema, temos que recorrer a Belém, ai perde-se um tempo, e, se for conveniente aos interesses políticos de Belém, o problema chega a Brasília.
Com o Estado do Tapajós a realidade será outra. Todo esse aparato de fiscalização e segurança para o cumprimento da Lei será ampliado, ganhará envergadura de Estado e os movimentos sociais e ambientalistas terão maior suporte para comprovarem e efetivarem suas denuncias. Portando suas preocupações com a sorte dos parques nacionais, reservas indígenas e rios, que somam 75% do território do Tapajós, são infundadas. O Tapajós jamais ficará como está e esta mudança será para melhor.
Confesso que não sei qual a realidade de Carajás, aqui mais uma vez o problema das distâncias a nos separar, de longe me parece um faroeste brabo. Essas sub representações do aparelho do Estado justificam, em parte, esse faroeste. Só sei, que sempre que se recorre à justiça do Pará, ela não consegue encarcerar matador de ambientalista e agricultor, explorador de trabalho escravo, grileiro de terra, invasor de terra indígena e reservas ambientais, madeireiros ilegais; a justiça paraense, talvez por falta de suporte na apuração dos crimes, tem sido uma mãe para os criminosos.
Só o fato de não precisar deslocar-se até Belém para resolver problemas de toda ordem, sejam de saúde, sejam burocráticos, sejam políticos já se constitui em uma grande vantagem.
Temos uma estrutura política viciada. Assim como em Belém os caciques manipulam os partidos e os transformam em verdadeiras “organizações” em prol de seu interesse pessoal e grupo, da mesma forma ocorre com o interior longínquo como é o caso do Tapajós, onde o modelo de caciquismo político se impõe com maior facilidade. Para estar organicamente ligado a um Partido e defender seus pontos de vista e participação no jogo político é preciso vir a Belém. E ir a Belém custa caro.
Os partidos são estruturados em uma pirâmide às avessas do ponto de vista democrático, onde o poder é exercido de cima para baixo, por quem detém os meios; com zero de discussão, zero de participação popular, sob a batuta do cacique de plantão. Esses feudos eleitorais impedem a construção da cidadania e nos dão figuras como Jader Barbalho, grande exemplo de político bem sucedido para a maioria desses mini caciques, e que, se reproduzem às centenas no interior do Estado. Esse modelo levou o Pará a esta realidade de miséria e desigualdade e precisa ser implodido.
Em uma pequena permanência na cidade de Belém pude ter a percepção de como o povo paraense esta vendo o plebiscito. Ele não raciocina como você Beatriz, ele pergunta-se o que irá perder, e responde se for bom para todos eu concordo. E o caso é este, a divisão é boa para todos.
Viajei com um taxista de 73 anos, nasceu e criou-se em Belém. Seu Bené, homem de uma vitalidade e bom humor admirável, disse que já não é obrigado a votar, mas que faz questão. Ainda não entende bem o que está acontecendo. Nada sabe sobre o Tapajós e sabe que em Carajás tem muito minério, me diz que pelo que ouviu falar, as coisas irão melhorar para o povo que vive nesses lugares distantes, que passa por muito sufoco. E afirma se for para melhorar a vida do povo eu concordo em votar SIM. Ele nem desconfiava qual a minha origem, não queria me agradar.
Ouça essa. Cheguei ao aeroporto de Belém, resolvi visitar as lojas de souvenir. Existe uma lojinha de sandálias, lá uma enorme variedade, todas estilizadas com motivos paraenses, ver-opeso, Salinas, fitinhas do círio, basílica, mapa do Pará, bandeira do Pará, araras e tucanos, florestas, onças, rios; muito lindas. A moça perguntou: vai levar uma? Mostrando a variedade; sorri, pensei um pouco e perguntei, tem alguma com alter do chão, ela riu e respondeu, olha tu sabes que muita gente pergunta se temos com esse lugar, já até falei pra pedirem porque muita gente procura, mas a gente não tem não, só temos essas com coisas aqui do Pará mesmo. Este fato traduz de forma cristalina o quanto o Tapajós esta presente no imaginário do povo paraense.
O povo que os defensores do grande Pará querem insuflar contra os que eles chamam de divisionistas desconhece a nossa existência. Poderia perguntar tem o Festribal de Juruti? tem o casario colonial de Óbidos? tem o círio de Santo Antonio de Oriximiná? tem o festival folclórico de Almeirim? tem as pinturas rupestres de Monte Alegre? tem as praias de Belterra? tem as corredeiras do Tapajós em São Luiz acima de Itaituba? tem os povos indígenas de Altamira? De nada adiantaria, ela não saberia me responder.
O povo do Pará preocupa-se com o que comer, com o filho na escola, o seu ir e vir, seu lazer na festa popular, sua fé, não esta pensando no tamanho do Mapa, no gigantismo de seu Estado, porque o Pará sempre foi grande e ele sempre passou necessidade. O povo sabe ser mais solidário porque conhece o que é levar uma vida subjugada a condições adversas. O povão sabe o que é remar contra a maré.
Nunca mas diga que não poderá cantar “esse rio é minha rua...” se ocorrer a emancipação do Tapajós e Carajás. Estou lhe afirmando que todos os rios são seus, especialmente o Tapajós que deveria ter suas águas cristalinas e suas praias tombadas como patrimônio do povo brasileiro.
Sempre que puder venha nos visitar, convide o Nilson Chaves, ele é muito querido por aqui. Saiba que na Amazônia, todos os rios correm para o Rio Amazonas e o Amazonas, como bem sacou um publicitário, corre para o Pará.
Observe com maior atenção o texto do geógrafo paulista Jose Donizette Cozzaloto, que você citou em seu comentário, dizendo que ele afirma que a divisão do Pará é boa para o Brasil. Ele pode estar lhe falando a verdade. Não fuja da realidade por pura vaidade ou saudosismo. Olhe para o futuro e pense em mais de três milhões de pessoas que precisam vislumbrar novos horizontes, com melhores perspectivas.
Saiba que nós do Tapajós temos imenso carinho e admiração por Belém do Pará, onde muitos de nossos filhos foram em busca do conhecimento e melhores dias. Lugar de beleza e cultura tão singular nas suas formas criativas, ao mesmo tempo plural nas suas manifestações e que tanto nos influencia e continuará nos influenciando. É admirável como o sorridente paraense se basta, como ostenta com orgulho sua singularidade, como não quer ser nenhum outro, como está pleno com o seu jeito de falar, seus costumes, sua culinária, seus ritmos, seus cheiros e sabores. O Pará é uma fartura para os olhos, paladar, olfato e ouvidos. Que riqueza maior você ainda quer Beatriz!
Nós de Santarém, no Tapajós, entendemos esse orgulho bom, essa satisfação de ser o que se é. Amamos nossos costumes, nosso jeito quase ingênuo, nossas lendas, nossas frutas e comidas, algumas bem diferentes das delicias de Belém do Pará. Amamos nossa herança paraense e sobretudo amamos nosso Rio Tapajós, que se confunde com nossa essência e é a nossa própria tradução.
Beatriz, nossas diferenças nos complementam e nunca poderão ser motivo de nossa separação.
Um grande abraço de um Tapajoara que conta com sua inteligência e solidariedade,

Paulo Cidmil
Santareno e Produtor Cultural

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