Até quando? Mais uma mulher é morta pelo ex-marido

O Correio Braziliense está fazendo uma série de matérias esta semana sobre a violência contra as mulheres. É muito importante, especialmente na semana do 8 de março.
Fonte: http://impresso.correioweb.com.br/cadernos/cidades/capa_cidades/

Até quando? Mais uma mulher é morta pelo ex-marido

Na sexta-feira, a vítima foi Fernanda Grasielly, assassinada a facadas em um shopping. Ontem, Benilde Rosa acabou enforcada pelo ex-companheiro, que suicidou-se, no Gama. A cada hora, duas ocorrências contra brasilienses são registradas no DF

BÁRBARA VASCONCELOS
Publicação: 05/03/2013 04:00

Ex-marido assassinou a mulher na chácara onde o casal vivia, no Núcleo Rural Ponte Alta Norte, no Gama: o pai ligou para a filha após o crime
Três dias depois de um homicídio chocar frequentadores de um shopping no Cruzeiro, o Distrito Federal assiste a outra mulher ser assassinada pelo ex-companheiro, desta vez no Gama. Com auxílio de um fio de telefone, o aposentado Elpídio Oliveira, de 46 anos, enforcou a ex-esposa Benilde Rosa, 41, na chácara onde os dois ainda viviam, no Núcleo Rural Ponte Alta Norte, às margens da DF-475. Transtornado, o homem se matou em seguida. Ambos os casos reforçam os índices elevados de violência contra a mulher no DF, onde, a cada hora, duas ocorrências, em média, são registradas nas delegacias locais relacionadas a crimes enquadrados na Lei Maria da Penha (veja O que diz a lei).
Enquanto a morte da vendedora Fernanda Grasielly Almeida Alves, 25 anos, na última sexta-feira, configurou-se como uma tragédia anunciada — já que o ex-namorado Victor Gabriel Medeiros, 29, ameaçava constantemente a vítima —, o assassinato de Benilde e o posterior suicídio de Elpídio pegaram amigos e parentes de surpresa. Embora continuasse dividindo o mesmo teto após a separação, há cerca de um ano, o casal vivia sem grandes conflitos, segundo familiares.
O crime aconteceu por volta das 2h de ontem. Depois de provavelmente utilizar o fio do carregador do celular da esposa para estrangulá-la, Elpídio entrou em contato com uma das três filhas e contou que, além do assassinato, também pensava em suicídio. A jovem, que também mora no Gama, correu para a casa dos pais, mas chegou tarde demais. Ela encontrou a mãe morta sobre a cama e o pai, enforcado por uma corda.
A cunhada e vizinha de Elpídio, que não quis se identificar, diz ter acordado com os gritos da filha. “Foi muito rápido. O meu marido saiu correndo para a casa deles, mas não tinha mais o que fazer. Quando a gente se deu conta, já tinha acontecido tudo”, lembra. “A filha deles ficou em choque. Depois, veio a polícia. Eles olharam tudo e aí levaram os corpos, umas 5h da manhã”, conta.
Nem a cunhada nem o amigo das vítimas, o trabalhador rural Francisco Fernandes, 60 anos, conseguem ver uma explicação para a tragédia. Conhecido do casal há 20 anos, Francisco foi na manhã de ontem à chácara onde houve o crime buscar uma justificativa. “Fiquei sabendo da notícia pelo rádio. Decidi passar aqui, ver se entendia o que aconteceu. Eles eram pessoas ótimas, muito legais. Até agora, não estou acreditando”, comenta.


Problemas antigos
Mas um outro amigo do casal afirma que Benilde e Elpídio enfrentavam problemas há bastante tempo. Três meses atrás, o marido teria começado a frequentar uma igreja evangélica, a poucos metros da chácara onde morava, para buscar ajuda. De acordo com o homem, que preferiu não se identificar, Elpídio sentia vontade de matar a esposa e procurava na religião forças “para não fazer uma besteira”. Por conta dos problemas enfrentados em casa, o homem sempre se emocionava nos cultos.
Elpídio não trabalhava mais. Ele estava aposentado devido a um coágulo na cabeça. Por conta da doença, vizinhos dizem que o morador do Gama tomava remédios controlados e apresentava algumas variações de humor. A polícia, no entanto, não confirma essas informações.
Os investigadores não têm relatos sobre brigas entre os ex-companheiros ou mesmo problemas mentais do homem. Segundo o chefe da 20ª Delegacia de Polícia (Gama), Francisco Antônio da Silva, a separação deve ter sido a causa da tragédia, mas ainda não se sabe por qual motivo Elpídio atacou a ex-mulher apenas na madrugada de ontem. “Apesar de morar na mesma casa, eles já não tinham relação de marido e mulher e isso lhe desagradava muito. Acredito que essa situação tenha motivado o crime”, explica. Nos últimos cinco anos, pelo menos 38 mulheres foram assassinadas no DF por seus companheiros, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública.
Uma denúncia a cada 2h
Em 2012, o Ministério Público do DF e Territórios acusou criminalmente quase o dobro de agressores de mulheres em relação ao ano anterior. Quantidade de pedidos de medidas protetivas também aumentou na comparação dos dois últimos anos

ARIADNE SAKKIS
Publicação: 05/03/2013 04:00


Maria da Penha e o promotor Thiago Pierobom, do Núcleo de Direitos Humanos do MPDFT: incentivo às denúncias
Desde que a violência doméstica ganhou punição própria com a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, o número de ocorrências, processos criminais e medidas de proteção concedidas às vítimas cresceu substancialmente. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) fez 4.210 denúncias contra agressores em 2012, uma a cada duas horas, mais do que o dobro do registrado em 2011. No ano passado, a Justiça do DF concedeu 7.220 medidas protetivas solicitadas por promotorias e pela Polícia Civil em nome de mulheres em situação de vulnerabilidade.

O promotor Thiago Pierobom, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos do MPDFT, interpreta a estatística como uma demonstração de confiança das mulheres. “Houve um boom de ocorrências no ano passado. O meu entender é que elas estão tendo mais confiança no Judiciário, na polícia e no MP. Por isso, denunciam mais”, avalia. “Também existe o aspecto cultural. Vivemos numa sociedade machista, e isso só vai mudar com educação”, acrescentou Maria da Penha, em visita a Brasília, na semana passada, para o lançamento de cartilha do MPDFT. A farmacêutica dá nome à legislação que endureceu as punições aos agressores domésticos.

Um dos primeiros passos para tentar garantir a segurança são as chamadas medidas protetivas. Elas podem determinar que o agressor saia de casa e seja proibido de entrar em contato ou até mesmo se aproximar da vítima. Os juízes podem encaminhá-la para programas de proteção e de acompanhamento psicossocial.

Não são raros, porém, os casos de descumprimento dessas medidas. Mas Pierobom reitera que as mulheres devem buscar os mecanismos certos para comunicar às autoridades que o ex-companheiro está infringindo a determinação. “As vítimas não podem subestimar a violência. Elas também têm de levar as medidas a sério para a própria proteção”, alerta. A desobediência pode acabar na prisão do acusado.

No ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que ocorrências de lesão corporal específicas contra a mulher devem se tornar uma ação criminal pública independentemente da vontade da vítima, ou seja, ela não pode mais retirar a queixa. Mas o mesmo não vale para as medidas protetivas. Isso quer dizer que a mulher pode pedir à Justiça a anulação do efeito da decisão.

Foi o que aconteceu com a vendedora Fernanda Grasielly de Almeida Alves, 25 anos, assassinada na última sexta-feira pelo ex-marido Victor Gabriel Medeiros, 29. Em abril de 2012, a moça registrou uma queixa por lesão corporal contra ele. Conseguiu a expedição de uma ordem que obrigava Victor a manter a distância mínima de 200 metros.

A tia dela, Maria do Socorro Almeida Lima, lembra exatamente do momento em que a ex-sogra ligou para Fernanda pedindo que ela retirasse a medida. “Ela disse que o filho tinha feito um curso de vigilante e nunca conseguiria um emprego se a ordem continuasse valendo. Pediu, então, que a Fernanda retirasse a medida”, conta a dona de casa, de 46 anos.
A contragosto, mas esperançosa que, após arranjar um emprego Victor parasse de persegui-la, a ex-mulher atendeu o pedido da ex-sogra. Mas nada do que a moça esperou aconteceu. Ainda desempregado e obcecado por ela, Victor a matou com três facadas, na loja onde ela trabalhava, na Octogonal.

Intervenção
Ainda será necessário aprimorar os mecanismos de defesa das mulheres agredidas e também a estrutura disponível para atendê-la. Além de garantir a segurança da vítima e a dos filhos do casal, é preciso intervir contra o agressor. Trata-se de uma das etapas dos projetos do Núcleo de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (NAFAVD), ligado à Secretaria da Mulher do Distrito Federal.

Nos 10 núcleos espalhados pelo DF, acusados, vítimas e familiares são atendidos em grupos separados para abordar a violência doméstica. No ano passado, 590 mulheres, 503 homens e 76 crianças e adolescentes passaram pelas sessões. Os casos são considerados leves ou intermediários. Segundo o coordenador-geral do NAFAVD, Luiz Henrique Aguiar, os encontros são uma oportunidade para que a mulher quebre o ciclo de agressões. “Incentivamos a necessidade de mudança no comportamento e que a violência não é normal nem aceitável”, explica.

O programa ainda é dos poucos que visam à abordagem psicossocial com o homem acusado de agressão. “O nosso objetivo é fazer com que eles percebam a violência que cometeram e se sintam responsáveis. E também que aprendam a identificar os outros tipos de violência, não apenas a sexual e a física”, revela Aguiar.
STF reabre ação de vítima

Publicação: 05/03/2013 04:00
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Justiça de Mato Grosso do Sul reabra uma ação penal contra um homem acusado de ter agredido a companheira, mesmo depois de a vítima ter pedido a retirada da queixa.
Ao apreciar uma reclamação contra a decisão do Tribunal de Justiça sul-mato-grossense, Rosa se baseou no entendimento firmado pela Suprema Corte em fevereiro de 2012, segundo o qual os juízes brasileiros são obrigados a dar prosseguimento às ações decorrentes de lesão corporal contra mulheres, independentemente do consentimento da pessoa agredida.
Embora o caso tenha ocorrido antes da decisão do STF, a ministra relatora do caso interpretou que o entendimento pode retroagir para atingir qualquer processo referente à Lei Maria da Penha. A decisão de Rosa Weber é a primeira tomada no âmbito do Supremo depois que a própria Corte deu uma nova interpretação à legislação específica contra a violência à mulher. (Diego Abreu)

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