'Nunca esqueci meu filho', diz Philomena
Mulher forçada pela igreja a entregar criança para adoção por ser mãe solteira diz ter se reconciliado com catolicismo

Drama baseado em história real é indicado em quatro categorias do Oscar; Judi Dench concorre a melhor atriz

MAELI PRADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LONDRES
A surpreendente e terrível história de Philomena Lee, a senhora de sorriso largo acomodada no sofá de um hotel no centro de Londres, não diz respeito apenas a ela mesma.

Como frisa com delicadeza, 2.200 irlandesas, suas conterrâneas, também tiveram seus filhos adotados por americanos contra sua vontade por determinações da Igreja Católica no país.

As adoções forçadas de filhos de mães solteiras estão mais em evidência do que nunca por conta do sucesso do filme "Philomena", em cartaz no Brasil e que contabiliza quatro indicações ao Oscar --melhor filme, atriz (Judi Dench), trilha sonora e roteiro adaptado.

Não por acaso, a enfermeira aposentada de 80 anos, que há mais de seis décadas dava à luz sem anestesia como castigo por não ser casada e que, três anos depois, teve o pequeno Anthony retirado dos braços sem nenhum aviso, foi recebida pelo papa Francisco, no começo deste mês, na praça de São Pedro, no Vaticano.

"Foi um dos melhores momentos da minha vida", diz Philomena à Folha. "Logo que levaram Anthony, perdi a fé no catolicismo."

"O tempo passou e voltei a acreditar, mas nunca esqueci meu filho", afirma.

No ano passado, ela criou com a filha, Jane Libberton, fruto de um casamento posterior, o Philomena Project, entidade que visa facilitar o encontro entre famílias separadas por adoções forçadas --Libberton diz que o governo irlandês dificulta o acesso aos arquivos recebidos da igreja.

DESENCONTROS

Segundo Philomena, enquanto procurava o filho sem sucesso, Anthony --batizado pelos pais americanos de Michael-- visitou a Irlanda três vezes para tentar buscar informações sobre a mãe.

"Tínhamos uma ligação muito forte. Pensei nele todos os dias da minha vida, e ele também nunca me esqueceu."

No filme, é o jornalista político em decadência e ateu Martin Sixsmith, interpretado por Steve Coogan, que encontra Anthony nos EUA.

É ele que revela a Philomena sobre a morte do filho, nome graduado do Partido Republicano. O peso do drama é balanceado na produção pela improvável e divertida amizade que surge entre os dois durante a busca de informações.

Na vida real foi Jane, filha que a acompanha em cerimônias e divulgações do projeto, que conseguiu informações sobre o meio-irmão e a colocou em contato com uma freira com acesso aos documentos de adoção.

"Ela me disse, pelo telefone mesmo: Não adianta mais procurá-lo, ele morreu'. Eu senti como se o estivesse perdendo pela segunda vez", diz Philomena.

Sixsmith escreveu o livro que deu origem ao filme e foi procurado por Jane para ajudar nas buscas por amigos e conhecidos de Anthony nos Estados Unidos.

"A relação que é mostrada no filme, na verdade, se deu mais entre mim e Steve Coogan do que com Martin", conta Philomena.

CRÍTICA DRAMA

Stephen Frears conta uma boa 'história humana' sem ousadia cinematográfica
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
DE NOVA YORK
Não espere de "Philomena" alguma ousadia ou sacada cinematográfica. Não tem. Mas como de hábito, o diretor Stephen Frears consegue contar bem uma boa história.

Tem a seu favor, neste caso, um trunfo chamado Judi Dench. A atriz veterana --popular como a personagem M, dos filmes da série 007-- tornou-se uma dessas estrelas capazes de, por si só, arrastar multidões para os cinemas.

Em 1998, ela foi laureada com um Oscar de coadjuvante por sua Rainha Elizabeth em "Shakespeare Apaixonado". Agora, no papel de Philomena Lee, concorre ao troféu principal.

O filme é a adaptação do livro-reportagem de Martin Sixsmith sobre a saga dessa senhora irlandesa que, passados 50 anos, decide buscar o filho, de quem fora separada na juventude. Despachada pela família para um convento de freiras, depois de uma gravidez indesejada, ela vê, impotente, a criança ser adotada por desconhecidos.

O jornalista --e companheiro de jornada-- é vivido por Steve Coogan. Conhecido por trabalhos em comédias, ele também é coautor do roteiro.

Com passagens divertidas e outras para levar às lágrimas, a narrativa reserva surpresas e prende a atenção. A boa química da dupla de atores é decisiva para isso.

Sixsmith é um cara cético, que perde um cargo no governo e pensa em aproveitar a ocasião para escrever um livro sobre política soviética.

Um pouco a contragosto, acaba aceitando a proposta de fazer uma reportagem sobre o drama de Philomena. Ela, apesar de tudo, mantém suas convicções religiosas --e é leitora voraz de romances comerciais. Juntos, em ritmo de "road movie", os dois desenvolvem uma relação terna, do tipo mãe e filho.

Um crítico do jornal "New York Post", Kyle Smith, conseguiu ver no filme um ataque à Igreja Católica. Causou algum rebuliço e provocou uma resposta de Philomena Lee, a real, publicada pelos produtores numa página do "New York Times".

Exagero. Embora exponha a face doentia da religiosidade, "Philomena" é sobretudo o que se convencionou chamar de uma "história humana" --um filme sobre amizade, amor maternal, fé e perdão.

PHILOMENA

DIREÇÃO Stephen Frears
PRODUÇÃO Reino Unido/ EUA/ França, 2013
ONDE Reserva Cultural e circuito
CLASSIFICAÇÃO 10 anos
AVALIAÇÃO bom

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/152556-nunca-esqueci-meu-filho-diz-philomena.shtml

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