DE KAFKA A KIAROSTAMI
Pela segunda vez, Jafar Panahi desafia a proibição de filmar no Irã com um longa autorreferente sobre o tema da clandestinidade. CORTINAS FECHADAS começa como um conto kafkiano: um escritor chega com seu cachorro a uma casa de praia, raspa a cabeça e se surpreende com a chegada de uma jovem em fuga. Ninguém sabe do que nem por que estão se escondendo. Aos poucos, a situação começa a se esclarecer (ou obscurecer) pela via da metalinguagem. O escritor é o roteirista do próprio filme e a moça, sua personagem. Mas o jogo de perspectivas segue adiante, com o próprio Panahi entrando em cena e deixando claro que, afinal, todos os outros são personagens dele. Mas ao mesmo tempo ele também é um personagem, chegando a haver um momento em que sua imagem se quebra em duas: o diretor e o personagem. O que nos leva ao universo de Abbas Kiarostami, no qual os planos da realidade e da ficção se confundem inapelavelmente. Mas quem nasceu para Panahi nunca vai chegar a ser Kiarostami. "Cortinas" é cifrado demais, arrastado demais para contagiar o público com seu pequeno pesadelo persecutório. Berlim premiou o roteiro, em mais uma decisão daquele festival que só se explica pelo aspecto político. Era preciso prestigiar Panahi e ajudá-lo a fazer o filme circular. De minha parte, mantenho minhas reservas com relação à postura desse diretor. Ele filma em suas casas ("Isto Não é um Filme" no apartamento de Teerã, este agora na casa de veraneio), mas será que precisava exibir os cartazes de seus filmes e mostrar-se sendo fotografado junto com seus fãs? Não tem ali um excesso de autocomplacência e narcisismo? Sei lá, não sei. Acho Panahi meio estranho.

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