Vicente Amorim sabe tudo de cinema, e IRMÃ DULCE demonstra isso mais uma vez. Lá estão a precisão na condução dos atores, a decupagem clássica a serviço da partitura dramática, a noção de ritmo e de atmosfera. Mas lá estão também as armadilhas de um tipo de filme que pretende cortejar demais o espectador. Como se o gênero hagiográfico (biografia de santo) não bastasse, com seu aplainamento dos fatos pela régua da elegia, há também um excesso de "momentos culminantes" e cenas lacrimosas para garantir a adesão de uma plateia de fiéis. O filme se divide em três partes: a descoberta da vocação e as primeiras iniciativas caridosas (construção da heroína); a fase de enfrentamentos difíceis perante os descaminhos do "filho" João e o conservadorismo da ordem religiosa (confirmação da heroína); e o encontro com o Papa (consagração da heroína). Entre uma parte e outra, e mesmo dentro de cada uma, os saltos do roteiro deixam uma impressão de minissérie condensada. Mesmo a direção vacila em alguns momentos, como a confusa sequência do incêndio no ônibus. Os pontos positivos incluem a caracterização da religiosa e sua relação muito física com seus pobres e doentes, como comprovam as imagens documentais que aparecem nos créditos do fim. Cabe ressaltar ainda que o filme não se presta ao proselitismo religioso. A Igreja, aliás, aparece como um espaço de intolerância, preso mais a suas regras que à sua suposta missão. Irmã Dulce, então, é a heroína solitária que se impõe sobre seus pares e puxa a corrente do bem. Nada mais adequado a um cinema que se pretende de massa.

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