MUITOS HOMENS NUM SÓ parte de um bom argumento (as "Memórias de um Rato de Hotel", de João do Rio) e de uma premissa amoral interessante, a de que a verdade pode decepcionar e portanto é melhor prosseguir na farsa. Embora a história real do personagem de Vladimir Brichta, extraída da crônica criminal do início do século XX, tenha sido mais trágica – ele morreu na prisão –, Mini Kerti preferiu uma perspectiva romântica, mas onde o amor não dita as regras, e sim é mera contingência na vida do ladrão perspicaz e sedutor. O filme se esmera nas locações do Rio antigo e nos cuidados da direção de arte, mas diversas carências se fazem sentir. Não há um legítimo sentimento de época para além da simulação de fachada, o que fica mais evidente nas caracterizações de Félix Pacheco e Lima Barreto. Nos diálogos falta ritmo e no geral, agilidade. A ação se espreguiça com jeito de telenovela e os atores se desincumbem burocraticamente de seus papéis. Além disso, pareceu-me que o roteiro desperdiça uma sugestão que deveria ecoar mais efetivamente: a invenção de histórias da vida alheia que o ladrão e sua amante (Alice Braga) cultivam juntos. O fato de João do Rio ter escrito o livro como se fossem as memórias do próprio personagem, e cuja autoria permaneceu em dúvida durante décadas, seria um excelente dispositivo para um filme mais ousado e criativo.

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